quarta-feira, 28 de março de 2012

A Semana Santa

A Semana Santa nos faz reviver a paixão e a morte de Jesus. Não somos meros espectadores desse drama, centro de toda a história humana. Preparados pela Quaresma, ano após ano, nos é proposta uma verdade que o mundo procura, em vão, esquecer. Trata-se do sofrimento: sua importância e sua função na vida de cada um e da sociedade. Antes de tudo, devemos ao sacrifício do Justo por excelência todo o bem e cada momento feliz de nosso peregrinar no tempo.

Certamente muito difícil, contando com as forças naturais, aceitar a visão cristã da realidade. O ambiente que nos envolve está saturado de poderosos fatores que contrariam, formal e fortemente, os valores cristãos que nos vêm do Calvário. Assim, a busca, a qualquer preço, do prazer, da felicidade terrena, fascina o homem e serve de obstáculo à afirmação da identidade com Cristo, divulga-se mesmo uma visão distorcida de cristianismo onde a morte é a cessação de todo sofrimento terreno que nos é apresentada no Tríduo Sagrado da Semana Santa.


Importa valorizar a ascese, que nos une a Jesus padecente, com o objetivo de reprimir a desvairada aspiração ao gozo dos sentidos e meio de aperfeiçoamento de nossa vida espiritual.


Uma conseqüência imediata, por paradoxal que seja, é o encontro da alegria. São Paulo corrobora a afirmativa, com suas palavras aos Colossenses: "Alegro-me nos sofrimentos, suportados por vossa causa" (1,24).


Essa perspectiva muda profundamente nossa concepção da vida. Diante do natural desejo do bem-estar material - evitando ou curando as dores - surge a aceitação do sofrimento, que nos chega involuntariamente. Movidos pela graça de Deus, nós o acolhemos em espírito de fé. Tais ensinamentos nos vêm do drama que esses dias da Semana Santa nos recordam.


Além desses limites, nosso olhar se dilata. Devemos cumprir mais fielmente os deveres cristãos, para fortalecer nossa identidade com o Cristo sofredor. Ele veio nos remir do pecado e esta é a causa última dos padecimentos. Logo depois de criado, o homem estava isento de qualquer pena. Ao ferir a natureza em seu íntimo, introduziu a desordem que se revela na presença do sofrimento do nascer até a morte. Graças ao Salvador, obtivemos extraordinária possibilidade de transformar o fruto da desobediência a Deus em valioso instrumento de santificação.


A Semana Santa, especialmente o Tríduo Sagrado, cada ano nos ajuda a repensar nossa vida, a refletir sobre a dor, tendo diante dos olhos o drama do Calvário, e as últimas ações que levaram o Salvador à cruz.


Enquanto vivemos em um ambiente hedonista, premido pela infrene busca do prazer, pelo que nos pode proporcionar satisfação dos sentidos, as cerimônias litúrgicas ajudam a praticar essa verdade cristã: seguir os passos de Cristo sofredor, para acompanhá-lo nas alegrias da Ressurreição!


A 11 de fevereiro de 1984, o papa João Paulo II publicou uma Carta Apostólica denominada Salvifici doloris, sobre "O sentido cristão do sofrimento humano". Ela proporciona uma excelente leitura para esses dias, nos quais participamos da vida de Salvador padecente.


Entre outros benefícios, "oferece a possibilidade de reconstruir o bem no próprio sujeito que sofre" (Idem, nº 12). Impressiona na pregação do Mestre que ele não tenha ocultado as conseqüências dolorosas dos que a ele se consagram, ou simplesmente aderem à sua doutrina. Falou claramente: "Se alguém quer vir após mim (...) tome cada dia a sua cruz" (Lc 9,23). Previu muitas dificuldades aos que o seguissem: "Sereis arrastados diante dos tribunais e açoitados nas sinagogas, e comparecereis diante dos governadores e reis por minha causa, para dar testemunho de mim diante deles" (Mc 13,9).


Todo esse aspecto negativo, que fere nossa natureza, existe em função de algo extremamente elevado e útil, que ultrapassa toda a perspectiva natural, terrena: a dignificação do sofrimento.


Essas considerações e outras do mesmo gênero, devem estar em nossa mente, no coração de cada um de nós, nestes dias santificados pela celebração da paixão do Senhor. Vibramos com a entrada triunfal em Jerusalém. Logo adiante, sofremos com a prisão, a flagelação, a via crucis, a morte e exultamos com a ressurreição. Passa por nossa memória a fraqueza dos apóstolos, a coragem das mulheres ao pé da cruz, a arrogância de Herodes, a pusilanimidade de Pilatos, o ódio de grupos de judeus, os personagens da Via Sacra, a lucidez do centurião que descobre a divindade do condenado, a diferença entre ladrões igualmente crucificados... A grandeza dos indizíveis sofrimentos, em contraposição com os nossos pecados... Todo este cenário nos propicia uma profunda reflexão. Isto pode ser exatamente aplicado à vida espiritual, à fidelidade às determinações de Deus e da Igreja. Se não houver de nossa parte, como fiéis, uma decisão de seguir, não a própria vontade e tendências, mas as prescrições que o Magistério nos propõe, em nome de Deus, consideremos terem sido em vão, para nós, tanta dor e sofrimento. Cristo morreu por obediência. Obediência é a grande virtude da Semana Santa.


Ainda hoje há os que participam de suas dores, assistem às cerimônias, vivem o drama da paixão, no sábado se recolhem no silêncio da sepultura do Senhor. Enquanto isto, continuam muitos crucificando-o. Já Pascal dizia: "Jesus estará em agonia até ao final dos tempos".


E a cidade é o reflexo desses cristãos. Muda de aspecto ou continua como se nada houvesse acontecido.


Somos um "pequeno rebanho". No entanto, ele é o fermento que deve levedar toda a massa. Recordemos os últimos anos do papa João Paulo II. Deus permitiu que ele experimentasse o sofrimento e com dignidade o apresentou ao mundo.

Dom Eugenio Sales
Arcebispo Emérito do Rio de Janeiro
Fonte: JB Online 
http://www.pastoralis.com.br

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