quarta-feira, 29 de maio de 2013

A COMUNHÃO DOS SANTOS

 Depois de professar a fé na "Santa Igreja Católica", o Símbolo dos Apóstolos continua dizendo : "Creio na Comunhão dos Santos", artigo que, em certo modo, explícita o anterior: "O que é a Igreja, senão a assembleia dos santos?", afirma um autor antigo. A Igreja é o Corpo de Cristo, no qual se integram os fiéis da terra, os que estão no purgatório e os santos do céu; e entre os três grupos existe uma comunhão de vida, igual àquela da família de cada membro que a compõe, comunhão de afeto e ajuda. Esta comunhão de vida e de bens sobrenaturais, que intercomunica os membros da Igreja com a Cabeça, que é Cristo e entre si, é o que se chama de Comunhão dos Santos.
IDEIAS PRINCIPAIS:
1. Pelo batismo, começa-se a fazer parte do corpo da Igreja
Ao receber o batismo nos incorporamos à Igreja, que é o Corpo Místico de Cristo; por isso se diz que, pelo batismo, começamos a fazer parte do Corpo de Cristo. Ao receber a graça do sacramento, nos unimos a Cristo, que é a Cabeça deste corpo, e começamos a ser membros vivos. Se perdemos a graça, nos separamos da Cabeça, e nos tornamos membros mortos. É como se uma mão, que está viva por estar unida ao corpo e à cabeça, se separa do corpo; a mão se corromperia, morreria e não serviria para nada. Em consequência, temos de nos esforçar por viver sempre em graça.
2. Cada membro está unido aos demais membros
Sabemos muito bem que no corpo humano, quando o sangue limpo e bom chega a todos os membros, esse sangue faz com que os membros estejam vivos e se comuniquem uns com os outros. No Corpo Místico de Cristo há algo que é como o sangue, e a graça e os dons que Deus nos dá estabelecem uma comunhão de vida sobrenatural dos membros com a Cabeça e dos membros entre si.
3. A união entre os santos do céu, as almas do purgatório e os fiéis da terra
A Igreja é formada não só por nós que pelo batismo a ela pertencemos e estamos na terra (Igreja militante) mas também os santos que estão no céu (Igreja triunfante) e os que estão purificando sua alma no purgatório, antes de entrar no céu (Igreja padecente). Os três estados da única Igreja estão unidos porque a única Cabeça é Cristo e a vida que anima a todos é a graça.
4. A comunicação de bens na Igreja
A vida do Corpo de Cristo, pois, é a graça, com tudo o que comporta a vida sobrenatural que os membros recebem da Cabeça, estabelecendo-se uma estreita relação da Cabeça com os membros e dos membros entre si. Cristo infunde seus dons - o sentido da fé e o impulso da caridade -, e os fiéis adoram e louvam; os bem aventurados do céu nos ajudam a nós que estamos na terra e aos que estão no purgatório, e nós invocamos a intercessão dos santos, que já estão no céu; os fiéis da terra nos ajudamos mutuamente e socorremos com sufrágios às almas do purgatório, que, por sua vez, intercedem também por nós. Na Igreja sucede, pois, algo parecido a uma transfusão de sangue. A graça de Cristo, os méritos da Santíssima Virgem e dos santos ajudam-nos, como uma transfusão de sangue ajuda a vida do corpo. Assim, nossas orações e as boas obras são como o sangue bom que damos aos outros: a nossos pais e irmãos, aos amigos, aos demais homens e também às benditas almas do purgatório. E as boas obras dos outros membros da Igreja nos ajudam e fazem bem às nossas almas.
5. Como viver a comunhão dos santos
A comunhão dos santos é uma realidade tão fecunda e consoladora, tão importante para a vida e a santidade da Igreja, que não podemos perder as oportunidades em vive-la, lutando por ser melhores e ajudar aos demais. A melhor maneira de viver a comunhão dos santos é receber os sacramentos, já que pela graça que nos outorgam nos unimos, cada vez mais, a Deus que é o Santo por excelência. Outro modo é o de invocar a Santíssima Virgem e os santos, para que nos obtenham de Deus muitas graças. Nós podemos ajudar a Igreja padecente oferecendo a Missa, trabalho e orações, pelas almas que estão no purgatório e desejam gozar o quanto antes de Deus, no céu. E da mesma maneira podemos ajudar a Igreja militante - aos cristãos que estão lutando ainda na terra -, oferecendo coisas durante o dia para que Deus lhes ajude.
6. Propósitos de vida cristã
  • Um modo de viver a comunhão dos santos, é encomendar na Missa às benditas almas do Purgatório.
  • Quando um cristão se esforça por portar-se coerentemente, ajuda aos demais membros da Igreja. Esta responsabilidade deve animar-nos a viver cada dia melhor a própria vida cristã. 
Autor: Jayme Pujoll e Jesus Sanches Biela
Fonte: Livro "Curso de Catequesis" do Editorial Palavra, España
Tradução: Pe. Antônio Carlos Rossi Keller

terça-feira, 14 de maio de 2013

A sacra[menta]lidade da Palavra de Deus na vida da igreja

Autor: Prof. VICTOR HUGO NASCIMENTO
Filósofo e Teólogo.
Professor das Escolas de fé e catequese Luz e Vida e Mater Ecclesiae - RJ
Contato: victorbento.30@globomail.com

A Palavra de Deus tem valor de evento. Tudo aquilo que é pronunciado pelos lábios do Senhor se realiza (Gn 1,3). Sua Palavra manifesta de forma concreta seus pensamentos e sua vontade. A Palavra é criadora, ela inspira e constitui uma história. A vida humana e o mundo com tudo o que nele há são intervenções criadoras do próprio Deus. É através deles, do homem e da natureza, que o Senhor se comunica, revelando-Se por intermédio da Palavra. Tudo começou pela Palavra e tudo há de voltar para Ela. A história humana é história sagrada cujo começo a Palavra de Deus criou, cuja plenitude é a encarnação do Verbo e cujo final será o retorno do Messias.
Esta Palavra, portanto, tem valor sacramental uma vez que ela confirma a presença transcendente do Pai. Sua ação na natureza é um rastro da ação de Deus na história. Por ser uma Palavra criadora e reveladora, apresenta-se como sustentadora de toda a obra da criação. Em Deus coincidem Palavra e obra. As coisas não somente procedem da Palavra divina, mas vivem por causa desta Palavra: “não só de pão vive o homem, mas de toda palavra que sai da boca de Deus” (Mt 4,4; Dt 8,3). 

A Palavra de Deus, entendida como Sabedoria divina, se produz no seio da Trindade e se exterioriza na criação, na história dos homens, e especialmente na encarnação, plenitude da história salvífica (Gl 4,4). Toda a força e virtude da Palavra de Deus se manifesta sobre tudo na missão de Jesus Cristo, Verbo feito carne (Jo 1,1; 1 Jo 1,1s). Como Palavra vinda de Deus, Cristo foi enviado ao mundo como mensagem revelatória da face oculta da divindade. Sua missão é bifacetada: Cristo é a proclamação da Palavra de Deus e realização de uma obra, realidades intimamente unidas entre si. “As multidões vinham para ouvi-lo e ser curadas de suas enfermidades” (Mt 9,35), suas palavras são seguidas e confirmadas por suas obras. Jesus é o cumprimento das profecias. Ele leva a cabo a Palavra de Deus.

A missão de Cristo é a de proclamar o Reino de Deus. O conteúdo de sua pregação é vital, público e solenemente proclamado; exige dos seus ouvintes uma radical decisão, uma conversão profunda no modo de pensar e de se relacionar dos homens entre si e com Deus. Sua pregação, feita em nome de Deus, é testemunhada por poderosos milagres, para ratificar que Ele é mediador entre Deus e os homens (Hb 8,6), e por isto foi constituído para sempre sacerdote e sacrifício para destruir o pecado do gênero humano (cf. Hb 9,29; 7,24.27). Suas Palavras e seus atos são salvífico. A Palavra de Deus pela encarnação se torna palavra redentora, e assim, Palavra sacramental.

Jesus Cristo é visivelmente o Messias, o Ungido do Senhor (Ex 30,22; Lc 2,26), e “quem O viu, viu o Pai” (Jo 14,9b), porque “ele é a imagem do Deus invisível” (Cl 1,15a). Aquele que ouve Sua Palavra e a põe em prática pela caridade, torna-se com Ele e n’Ele, Filho de Deus, imagem e semelhança divinas (Mt 7,24; Gn 1,26a). Deste modo, Jesus é sinal sacramental da presença do Deus criador. É n’Ele que se manifesta um novo tempo, o tempo que oferece em plenitude a graça da salvação prometida por Deus (Gn 3,15), cujas Palavras são irrevogáveis e que cumpre o que diz (Is 31,2; 45,23).

Os Apóstolos receberam a mesma missão de Cristo. Jesus “os enviou a pregar o reino de Deus e a curar os enfermos” (Lc 9,2), depois de dar-lhes “poder e autoridade”. A Palavra de Deus continua se realizando na medida em que é confirmada pelas obras dos Apóstolos. “Eles saíram a pregar por toda parte, agindo com eles o Senhor, e confirmando a Palavra por meio dos sinais que a acompanhava” (Mc 16,20). A proclamação da Palavra de Deus é a primeira tarefa do ministério da Igreja e, junto com a Palavra, a tarefa da obra, transformada em ação cultual, na fração do pão (At 2,42). A primordial ação pastoral dos Apóstolos e, consequentemente da Igreja, é o ministério da Palavra de Deus (At 6,4), de modo que, quem os recebe, recebe a Cristo e quem O recebe, recebe a quem O enviou (cf. Mt 10,40).

A Palavra que Jesus Cristo trouxe de junto do Pai está nos Apóstolos com a mesma força com que está neles o poder de fazer milagres. Logo, toda palavra e obra de Cristo, devido à missão e ao envio, devem estar presentes de algum modo na palavra e ação dos Apóstolos. A Palavra de Deus tem um caráter sacramental enquanto é uma Palavra selada pelo sacrifício da nova Aliança ou enquanto é, como encarnação, parte integrante da redenção do Salvador. Em seu ministério profético da Palavra de Deus, a Igreja anuncia a obra da redenção, fazendo todas as coisas em memória de Cristo, até que Ele venha (Lc 22,19; 1 Cor 11,25; Ap 22, 7.12.20b).

O ministério profético da Igreja é trifásico, compreendido pela evangelização, pela catequese e pela homilia. A Igreja se constitui através destas etapas da pregação da Palavra de Deus e se apresenta ao mundo como porta-voz dos mistérios da salvação. A Igreja vive pela Palavra e A faz ser viva no coração dos homens do mundo inteiro. O mundo é atingido pela Palavra de Deus através da Igreja. Ela, assim como Cristo Jesus, visibiliza o rosto velado do Pai. Sua missão é continuar a obra salvífica de Cristo no mundo presente, fazendo-se não só representante do Senhor, mas primordialmente Sacramento visível de Sua divina presença.

Através da evangelização dos povos, em estado de permanente missão, a Igreja anuncia de forma ‘kerygmática’ a boa nova da salvação. Nesta fase, suscita-se a fé e uma adesão pessoal a Cristo e Seu Evangelho. Espera-se do evangelizado uma resposta de conversão sincera em vista ao recebimento do Batismo. É a partir desta fase que se fundam as comunidades cristãs, reunindo os que, aceitando o modo de vida cristã, se reúnem sob a Palavra do Senhor principalmente na Eucaristia. Para que os homens possam chegar a Liturgia é necessário que antes sejam chamados à fé e à conversão. Destarte, o Sacramento não é para converter, mas para os convertidos. Para tanto há uma etapa de aprofundamento do “kerygma”, a catequese, quando então são apresentados os símbolos da fé.

A tarefa da catequese é desenvolver os conteúdos no primeiro anúncio da evangelização. Paulatinamente o catequizando vai sendo iluminado pela sabedoria do Evangelho, ao passo que interioriza progressivamente todos os aspectos que o cristianismo possui. É neste período que a Igreja anuncia a sua doutrina com o intento de fazer penetrar no coração dos convertidos os símbolos da fé católica, sob os quais a identidade cristã é formada. O anúncio catequético insere o cristão no contexto celebrativo-sacramental, uma vez que o fiel já experimentou a Cristo na comunidade cristã.

A terceira forma do ministério profético eclesial é a homilia. No contexto sacramental a Palavra de Deus é sacralizada e anunciada de forma velada nas palavras humanas do celebrante. A pregação catequética sintetiza as fases anteriores, objetivando o amadurecimento da fé e da caridade, através de uma animação missionária e explicação catequética. A homilia aprofunda os batizados no mistério de Cristo liturgicamente celebrado.

A ação evangelizadora da Igreja se dá pela visibilização de Cristo em seu seio. Ela é portadora e sustentáculo da Verdade revelada. Na medida em que anuncia esta Verdade de forma profética, realiza no meio dos homens a Obra salvífica de Cristo, pois a Palavra tem caráter sacramental e o Sacramento, caráter de proclamação.




terça-feira, 7 de maio de 2013

A presença dos anjos entre nós

Autor: Prof. VICTOR HUGO NASCIMENTO
Filósofo e Teólogo.
Professor das Escolas de fé e catequese Luz e Vida e Mater Ecclesiae - RJ
Contato: victorbento.30@globomail.com
  
Ao celebrar a alegria do Natal de Nosso Senhor Jesus Cristo. Sua Encarnação divina se deu no seio da Virgem Maria após anunciação do Arcanjo Gabriel. Este era portador da grande Alegria: a possibilidade de um Salvador.  Gabriel é descrito pelo evangelista Lucas (1,26-38) como uma figura presente, real e visível; para tal utiliza-se de três verbos de ação: ‘entrando’ (v. 28), ‘disse-lhe’ (v. 30) e ‘afastou-se’ (v.38).
Gostaríamos de refletir sobre a presença dos anjos. Como eles podem ter atos e aparência humanos? Os anjos estão fisicamente entre nós, neste mundo físico? Como a Santíssima Virgem pôde dialogar com um anjo? Gabriel realmente apareceu a ela? Como?

Para responder a estas questões recorremos ao Mestre Tomás de Aquino (1225-1274). Ele nos apresenta a escala da subsistência dos seres baseando-se na “participação” platônica, bem como o binômio aristotélico “ato e potência”, o qual Tomás faz conviver com o pensamento de Platão.

I PARTE:

  • OS ANJOS NÃO TEM MATÉRIA:
Tomás de Aquino em sua obra: “Summa Theologica”, no artigo 6, questão 3, cita Santo Agostinho: “Deus é verdadeira e sumamente simples”. Ora, por “simplicidade” entende-se os seres sem substância material, que no caso é Deus. “Os seres provenientes de Deus O imitam, como os seres causados imitam a causa primeira, pois a natureza do causado é, de certo modo, ser composto, porque o seu ser é, pelo menos diverso da sua quididade, como a seguir se verá”, (ST VI, 1).
Além do mais, diz Agostinho: “Duas coisas fizeste, Senhor: uma semelhante a Ti, isto é, os anjos, outra semelhante ao nada, ou seja, a matéria prima”; ora, se o homem tem matéria prima, quase sendo um nada, como haveria de um anjo ter matéria se é semelhante ao Criador, que é simples? Disto depreende-se a escala da perfeição dos seres em Santo Tomás:

Assim, os anjos tem forma substancial simples formada por essência e ser angelicais, sem matéria prima.
II PARTE

  • OS ANJOS NÃO PODEM ESTAR EM UM LUGAR MATERIAL (COPÓREO)
Tomás, assim se expressa: “Os seres incorpóreos, como vimos, não estão em um lugar em razão do contato de quantidade dimensional como acontece com os corpos, mas em razão de seu poder operativo, ou seja, pela aplicação de sua virtude operativa”, (ST q.8, a.1 ad 2).
III PARTE

  • AO APARECEREM, OS ANJOS, NA VERDADE, NÃO DÃO EFICAZMENTE EXISTÊNCIA AO CORPO QUE APARECE
Essas explicações encontram-se também no Filósofo do ser:
“O efeito operativo do anjo no corpo não é recebido no ser corpóreo como se o anjo fosse a causa do ser corpóreo, mas é recebido dentro das dimensões que o ser corpóreo possui, motivo pelo qual se costuma dizer que o anjo está dentro do tal corpo”. (I sent, dist 37, q.3, a. 3 ad 4).

“Ora, os anjos não estando em um lugar primariamente e por si, segue-se que deverão estar secundária e acidentalmente, isto é, pela aplicação de seu poder operativo (1c, a.1 ad 2).

CONCLUSÃO
Quando, portanto, alguém tem a “visão de um anjo”, como Maria e Zacarias a tiveram, na verdade não é o anjo em si, mas uma forma corpórea humana, controlada pelo anjo com permissão e envio de Deus, tendo em vista o anúncio de uma mensagem. Esta forma humana (e não um corpo humano) é “produzida” pelo próprio Deus e não tem alma (o que daria nota humana ao corpo), logo, não é um ser humano, mas mera aparência de homem.


sábado, 4 de maio de 2013

É possível falar de Deus ao mundo moderno? - Parte 2

Autor: Prof. VICTOR HUGO NASCIMENTO
Filósofo e Teólogo.
Professor das Escolas de fé e catequese Luz e Vida e Mater Ecclesiae - RJ
Contato: victorbento.30@globomail.com

O conceito cristão de verdade
A Igreja não é alheia aos esforços que os pensadores, inseridos nas diversas culturas, empreenderam sobre o tema da verdade. Ela mesma compreende-se responsável por este caminho de pesquisa e reflexão, em prol da humanidade, do bem comum. Sobre isto, nos recorda o Papa João Paulo II: “Como em épocas precedentes, também hoje — e talvez mais ainda — os teólogos e todos os homens de ciência na Igreja são chamados a unirem a fé com a ciência e a sapiência, a fim de contribuírem para uma recíproca compenetração das mesmas (...). Este interesse ampliou-se enormemente nos dias de hoje, dado o progresso da ciência humana, dos seus métodos e das suas conquistas no conhecimento do mundo e do homem. E isto diz respeito tanto às chamadas ciências exatas, quanto igualmente às ciências humanas, bem como à Filosofia, cujos ligames estreitos com a Teologia foram recordados pelo II Concílio do Vaticano.”

A Igreja sempre entendeu que sua missão é de constituição divina e, portanto, pela natureza mesma de tal vocação, ela deveria anunciar a todos os homens o que de Deus mesmo recebeu. As escrituras do Novo Testamento já atestam isto: “a Igreja de Deus vivo, coluna e sustentáculo da verdade” (1 Tm 3,15b), e ainda, na oração sacerdotal de Cristo, Ele assim ora ao Pai: “Santifica-os na tua verdade; a tua palavra é a verdade” (Jo 17,17). O pensamento neo-testamentário compreende a “Palavra” encarnada como portadora da Verdade: “o Verbo se fez carne e habitou entre nós, e vimos sua glória, a glória que o Filho único recebe do seu Pai, cheio de graça e de verdade” (Jo 1,14). Portanto, a Sabedoria divina, o filho de Deus encarnado, Jesus Cristo, é a expressão última da verdade desconhecida até então pelo homem. Cristo profere as palavras de Deus (cf. Jo 3,34), aquilo que viu e ouviu de seu Pai (cf. Jo 8,38). Deus é ser absoluto e irrevogável em seus pensamentos. Ele não pode contradizer-se, pois é todo verdade, ato único e contínuo, por isto, tudo aquilo que Ele comunica, só pode ser verdade, pois o pai da mentira é o diabo (cf. Jo 8,44). Assim se expressa o Concílio do Vaticano II: “Esta ‘economia’ da revelação realiza-se por meio de ações e palavras intimamente relacionadas entre si, de tal maneira que as obras, realizadas por Deus na história da salvação, manifestam e confirmam a doutrina e as realidades significadas pelas palavras; e as palavras, por sua vez, declaram as obras e esclarecem o mistério nelas contido.”

Cristo, a verdade última revelada aos homens, se imposta como mensageiro daquela verdade há tanto buscada pelos homens. É Ele quem dá a última e plena resposta sobre as perguntas fundamentais colocadas pelo ser humano. É por isto que, pela revelação feita por Jesus Cristo, a fé cristã entende que existe uma verdade universal e válida para todas as culturas. Nesta perspectiva, o relativismo pregado pelo cientificismo moderno não tem espaço, uma vez que a verdade reside em tudo aquilo que é essencialmente humano. Portanto, se a cultura estiver enraizada no que é profundamente humano, revelará em si aquela verdade única e universal, que a fé cristã entende por Deus.

O conceito cristão de verdade parte da categoria ‘Revelação’. Tal categoria é plenamente válida, como já havíamos apontado, uma vez que, sendo realidade suprassensível, ela está elencada dentre aqueles métodos refutados pelos pensadores cartesianos. Prova da validade da Revelação cristã é o fato de filósofos e mesmo pensadores ateus, sem vínculo com fé alguma, atestarem uma abertura metafísica-transcendental da alma humana.  O pressuposto da verdade está na possibilidade do homem progredir. Ele nunca é estático, passivo, mas, no dinamismo do ser humano, as culturas, que, por isto mesmo, também se apresentam dinâmicas, têm a capacidade de ascenderem, isto significa estarem abertas à Revelação, a qual é um dado universal que se apresenta a cima do tempo e do espaço.

As pesquisas efetuadas pela história das religiões e pensamentos religiosos têm demonstrado a Revelação como critério válido para a questão da verdade. Mircea Eliade, historiador das religiões, assim se expressa: “o sagrado é um elemento na estrutura da consciência, e não uma fase na história dessa consciência. Nos mais arcaicos níveis de cultura, viver como ser humano é em si um ato religioso, pois a alimentação, a vida sexual e o trabalho têm um valor sacramental. Em outras palavras, ser – ou, antes, tornar-se – um homem significa ser ‘religioso’.”

Eliade trabalha com o conceito de “unidade da história espiritual da humanidade”, o qual, segundo ele, é uma descoberta recente, ainda pouco assimilada. Isto quer dizer que há uma realidade supra-histórica-cultural comum a todas as pessoas. A contribuição das ciências históricas é apresentar os dados fenomênicos desta unidade espiritual da humanidade, mas a questão do valor da espiritualidade, de Deus e das coisas religiosas ainda soa como novidade e é encarada como pseudo-conhecimento, algo completamente dispensável e estrito a religiosos. O próprio M. Eliade explica esta realidade. Para ele, os mestres do reducionismo, tais como Marx e Nietzche até Freud, provocaram as crises religiosas ao colocarem a religião como inimiga da evolução humana. Destarte, o mundo ocidental moderno encontra-se em uma derradeira etapa de dessacralização, o que intriga os historiadores da religião, a antropologia e a fenomenologia, pelo fato de tal processo ilustrar, na verdade, a perfeita camuflagem do “sagrado”, mais precisamente sua identificação ao “profano”.

Fica evidente que, ainda que a ditadura positivista queira impor a fé e a Revelação cristã como não-científicas, é irrefutável a relevância de tais realidades para o crescimento e superação do ser humano. A verdade para a fé cristã não está encarcerada no relativismo. De uma vez por todas, Cristo, Verbo feito carne revelou a verdade sobre o homem e sobre Deus. Portanto, o objeto principal da revelação divina não são verdades abstratas sobre o mundo e o homem: seu núcleo substancial é o oferecimento por parte de Deus do mistério de sua vida pessoal e o convite para tomarmos parte nela. Assim, para que o homem chegue ao conhecimento da verdade, é mister investigá-la através do viés da criação e da salvação, conteúdos essenciais da Revelação divina.
A criação e a salvação como meios de aproximação da verdade
A finalidade última da Revelação divina é, não outra coisa, atingirmos o ser de Deus. O Magistério da Igreja aponta que no bojo da Revelação de Deus está a salvação do homem: “quis Deus manifestar e comunicar-se a Si mesmo e os decretos eternos da Sua vontade a respeito da salvação dos homens, ‘para fazê-los participar dos bens divinos, que superam absolutamente a capacidade da inteligência humana’”. Pode-se notar que o conhecimento das verdades reveladas por Deus encaminha os homens a uma comunhão plena com o Senhor.

A comunhão íntima com Deus fora estabelecida desde a Criação do mundo, como nos relata o Antigo Testamento. Deus, por amor e no amor cria, do nada, todas as coisas materiais e imateriais, dando-lhes existência, e, ao fim de sua obra criadora, fez o homem e a mulher à sua imagem e semelhança (Gn 1—2). A cena antropomórfica de Deus caminhando à tarde, no Éden, com Adão e Eva (Gn 3,8), corrobora e sintetiza a idéia da amizade e comunhão entre criatura e criador, desfazendo o errôneo pensamento de dominação tirânica de Deus sobre o homem. O ser humano, criado por Deus e para Ele, tem sempre o desejo, mesmo que inconsciente, de busca-lo, o que se expressa pelo desejo da verdade última das coisas. A Igreja compreende que: “A razão mais sublime da dignidade humana consiste na sua vocação à comunhão com Deus. Desde o começo da sua existência, o homem é convidado a dialogar com Deus: pois se existe, é só porque, criado por Deus por amor, é por Ele, e por amor, constantemente conservado: nem pode viver plenamente segundo a verdade, se não reconhecer livremente esse amor e não se entregar ao seu Criador.”

Ora, como já foi indicado anteriormente, a criação, ou seja, o mundo e o próprio homem são vias efetivas de acesso a Deus. São Paulo ensinava isto ao afirmar: “Desde a criação do mundo, a perfeições invisíveis de Deus, o seu poder eterno e a sua divindade tornam-se pelas suas obras, visíveis à inteligência.” (Rm1,20). Ao contemplar a beleza e harmonia das coisas criadas, o homem sempre intuiu uma mente geradora, universal e organizadora de tudo isto. As mais diversas tradições religiosas e culturais denominaram e ainda continuam a chamar este princípio gerador com diversos nomes que no fundo corresponde ao Deus bíblico, o Criador dos céus e da terra.

O ser humano, imagem e semelhança de Deus, tem o poder de melhor expressar e revelar a face de Deus invisível. Através da abertura de sua alma para o Belo, o Bem e o Bom, o homem a Ele se refere: “O homem é um ser sacramental; no nível religioso, exprime suas relações com Deus num conjunto de sinais e símbolos; Deus igualmente os utiliza quando se comunica com os homens. Toda a criação é, de certa forma, sacramento de Deus, porque no-lo revela (cf. Rm 1,19).”

No entanto, o homem e a natureza entraram em desequilíbrio desarmônico com seu Deus. Ao invés daquela comunhão tão profunda e querida pelo Senhor Deus, o homem rompe, em um gesto de desobediência, com a Lei divina. O Gênesis ilustra este rompimento narrando a queda dos primeiros pais em forma de crônica. O livro apresenta a serpente como figura do mal e do tentador e o ato de comer do fruto proibido como síntese da rebelião do ser humano contra Deus. O desfeche desta narrativa se dá com as palavras condenatórias de Deus dirigidas à serpente, à mulher e ao homem, culminando com a expulsão de Adão e Eva do jardim do Éden. Esta sessão é identificada pelos estudiosos como proto-evangelho, pois o hagiógrafo deixa entrever no meio da cena a possibilidade de uma remissão futura ao colocar na boca de Deus as seguintes palavras: “Porei ódio entre ti (a serpente) e a mulher, entre a tua descendência e a dela. Esta te ferirá a cabeça, e tu lhe ferirás o calcanhar.” (Gn 3,15).

O cumprimento da promessa da liquidação total da serpente (o pisar-lhe a cabeça) foi realizado definitivamente em Cristo Jesus, centro do cósmo e da história. O descendente da mulher vence o mal e a morte, reestabelecendo, assim, a ordem natural e espiritual da criação divina. A morte e ressureição de Cristo trazem em si este poder redentor, o de recriar o mundo que fora criado em perfeição por Deus Pai: “Em Jesus Cristo, o mundo visível, criado por Deus para o homem (aquele mundo que, entrando nele o pecado, foi submetido à caducidade) readquire novamente o vínculo originário com a mesma fonte divina da Sapiência e do Amor”.

A salvação oferecida por Cristo é ambivalente. Ela se concretiza nas realidades intra e pós-mundanas. Ponto comum do pensamento da coletividade, a salvação se dá na vida eterna. Logo se pensa na eternidade ao lado de Deus, junto aos anjos e santos, ao que se denomina céu. Contudo, o céu começa na terra. Cristo salvou o gênero humano ainda para esta vida, que, por consequência, define a vida pós-morte. O homem é salvo ou não já neste mundo. “Não podemos, pois, perguntar-nos apenas quem vai para o céu e desentender-nos simultaneamente da questão do céu. É necessário perguntar o que é o céu e como vem à terra. A salvação do além deve refletir-se numa forma de vida que torne o homem humano no aquém, isto é, neste mundo, e portanto conforme com a vontade de Deus. (...) Eu diria, pois, que a salvação começa com a vida reta e justa do homem neste mundo, que abarca sempre dois pólos: o indivíduo e a comunidade.”

O homem, ao levar uma vida reta e justa, está aderindo ao grande projeto salvífico de Deus. Estas duas qualidade morais levam ao assentimento da fé, de maneira livre e incondicional, até aquele momento em se chega à uma certa unidade interior, quando se unem as realidades do bem, do verdadeiro, de Deus e do homem. Esta unidade interior do homem é a consciência. É neste organismo que se desenvolvem as decisões e juízos de dentro do ser humano. É neste sacrário inviolável que se desenrola a trama da fé e da adesão da mente humana à verdade revelada. É neste núcleo interior e secreto, onde Deus faz morada, que o ser humano dá a melhor resposta a Ele, através da obediência da fé (cf. Rm 1,5; 16,26; 2 Cor 10, 5s). Com ela o homem se entrega livremente e totalmente a Deus, bem como pode aderir firmemente à verdade revelada em Cristo, tomando para si seus ensinamentos e salvação.

Ora, dar o assentimento pela fé a Deus, significa mesmo chegar à plenitude máxima possível pela Revelação. Segundo Tomás, todas as verdades conhecidas pela mente humana, na realidade são expressão daquela Verdade única que dá a subsistência às demais verdades naturais e sobrenaturais conquistadas pelo homem. Segundo o aquinate:  “A verdade sob cuja luz a inteligência humana tudo julga é a Verdade Primeira. Pois, assim como da verdade da mente divina derivam para a inteligência dos anjos as imagens infusas das coisas, a cuja luz os anjos compreendem tudo o que compreendem, da mesma forma deriva da verdade do intelecto de Deus, à guisa de modelo, a verdade dos primeiros princípios, à luz dos quais a nossa inteligência formula os seus juízos sobre tudo. E uma vez que só podemos formular os nossos juízos a partir da verdade dos referidos princípios, na medida em que tal verdade constitui um espelho da Verdade Primeira, dizemos que julgamos tudo a partir da Verdade Primeira.”

Todas as possibilidades de verdade, portanto, são de certa forma, criadas, conjecturadas, no sentido de serem construções humanas para expressar o ser das coisas. Deus, Verdade Única e Primeira, criador de tudo, sustenta sua criação com o seu Ser. Esta realidade é que concede às criaturas, sejam visíveis ou invisíveis, sua entidade, isto é, sua verdade ontológica. Deus é a Verdade imutável. É esta imutabilidade de Deus que valida a Sua Revelação e sustenta os diversos fragmentos de verdades buscadas e conhecidos pelas diversas ciências.

É a esta Verdade Incriada e Imutável que os homens têm procurado avidamente, na qual possam repousar e sentirem-se saciados, deleitados. Esta estupenda verdade, imperceptível aos meros sentidos do intelecto humano, pode sim ser conhecido por conta da Revelação cristã. Em Jesus temos acesso pleno e definitivo Àquela verdade última, justamente porque o conteúdo revelatório é a pessoa do próprio Deus, O qual oferece uma nova e eterna Aliança aos homens, reconstruindo o mundo em Cristo Jesus. Uma vez que o mundo e o homem revelam a Deus de forma insuficiente, as palavras e gestos de Cristo no-Lo revela. É através da adesão voluntária e racional, mediante o dado da fé, que se abre a real possibilidade de acessar a verdade, pois, “a fé e a razão (fides et ratio) constituem como que as duas asas pelas quais o espírito humano se eleva para a contemplação da verdade. Foi Deus quem colocou no coração do homem o desejo de conhecer a verdade e, em última análise, de O conhecer a Ele, para que, conhecendo-O e amando-O, possa chegar também à verdade plena sobre si próprio (cf. Ex 33, 18; Sal 27 (26), 8-9; 63 (62), 2-3; Jo 14, 8; 1 Jo 3, 2).”

Cabe-nos agora refletir como se atualiza na concretude da vida, aquele chamado do homem à comunhão divina. Como a revelação têm encontrado espaço e adesão no mundo moderno, e como entender a Igreja e o anúncio do Evangelho como verdades válidas universalmente, mesmo em meio às tantas e conflitantes culturas.

JOÃO PAULO II. Encíclica ‘Redemptor hominis’. São Paulo: Paulinas, 1979, n° 19.
Concílio Ecumênico do Vaticano II, Constituição Dogmática ‘Dei Verbum’. Petrópolis: Vozes, 1998. n. 2.
ELIADE, Mircea. História das crenças e das idéias religiosas I. Rio de Janeiro: Zahar, 2010, p. 13.
Cf. ELIADE, 2010. p.16.
Concílio Ecumênico do Vaticano II, Constituição Dogmática ‘Dei Verbum’. Petrópolis: Vozes, 1998. n. 6.
Catecismo da Igreja Católica, n° 27. São Paulo: Loyola, 1999.
Conferência Geral do Episcopado Latino-Americano. Conclusões da Conferência de Puebla. São Paulo: Paulinas, 1979, n. 920.
JOÃO PAULO II. Encíclica ‘Redemptor hominis’. São Paulo: Paulinas, 1979, n° 8.
RATZINGER, Joseph. Fé, verdade e tolerância: o cristianismo e as grandes religiões do mundo. São Paulo: IBFC “Raimundo Lúlio”, 2007.
TOMÁS. Questões disputadas sobre a verdade. Col. Os pensadores. São Paulo: Nova Cultural, 1988.
JOÃO PAULO II. Introdução da Encíclica ‘Fides et ratio’. São Paulo: Paulinas, 1998.

quinta-feira, 2 de maio de 2013

É possível falar de Deus ao mundo moderno? - Parte 1

Autor: Prof. VICTOR HUGO NASCIMENTO
Filósofo e Teólogo.
Professor das Escolas de fé e catequese Luz e Vida e Mater Ecclesiae - RJ
Contato: victorbento.30@globomail.com

O homem sempre buscou chegar ao conhecimento da verdade. Ele tem empreendido esforços no longo caminho de procura do que é e como chegar a um consenso definitivo sobre a verdade. Desde filósofos, amantes da sabedoria e portadores da verdade, até os grandes santos, passando pelo homem mais humilde, todos, sem exceção, nas mais diversas realidades e culturas têm ansiado encontrar respostas absolutas sobre a existência do homem e do cosmo.
Por não haver, nesta aventura da busca, um consenso entre filósofos e acadêmicos, várias teorias e visões a cerca da verdade existem e continuam sendo debatidas. O problema reside na postura da modernidade, a qual retardou e mesmo interrompeu o processo de acesso à verdade ao abandonar e invalidar o método clássico, o da metafísica. Como aponta o Cardeal Ratzinger: “Não é moderno perguntar pela verdade. (...) há uma atitude apriorística ante a realidade, que nos diz: não faz sentido perguntar sobre o que é, só podemos perguntar-nos sobre o que podemos fazer com as coisas”.

Deste modo, a verdade tem sido tratada como relativa, como que impossibilitada de ser reconhecida unanimemente, posto que cada povo e cultura, em seu “modus vivendi”, percebe cada qual uma verdade, muitas vezes contrárias entre si. Esta realidade desafia o discurso religioso e missionário, onde a fé encontra dificuldades de penetrar, frente à desconfiança natural do homem, especialmente o do pós-iluminismo.

Ainda assim é possível falar de Deus como realidade e verdade válidas a todo homem, uma vez que os princípios de busca meramente racionais mostram-se insuficientes. A metodologia eficaz apresenta-se no passar das realidades visíveis para as invisíveis; isto quer dizer, através da contemplação das coisas criadas e naturais, analogamente se pode chegar à interpretação do mundo cifrado, sendo possível decifrá-lo através da Revelação divina, que é em si, a verdade.

O homem deseja conhecer a verdade
Ao percorrermos as páginas da história da Filosofia, nelas encontramos os pensamentos da humanidade, sintetizados naquilo que é próprio, inerente à natureza humana. O fio condutor dos questionamentos e das reflexões humanas é a busca pela verdade. A filosofia estuda a verdade de diversos ângulos. A metafísica se ocupa da natureza da verdade. A lógica se ocupa da preservação da verdade. A epistemologia se ocupa do conhecimento da verdade. A filosofia aristotélica, inclusive a tomista, destacam-se pelo uso do método correspondentista, ou seja, compreendem a verdade como a adequação daquilo que se dá na realidade e aquilo que se dá na mente. O estagirita já apontara no livro I sobre a metafísica que “todos os homens têm, por natureza, desejo de conhecer: uma prova disto é o prazer das sensações, pois fora até da sua utilidade, elas nos agradam por si mesmas e, mais que todas as outras, as visuais.”

Ora, para a filosofia é muito clara sua função, a de pôr as questões fundamentais sobre o princípio e a finalidade da vida; buscar a verdade última de cada coisa. Esta é verificada, ao menos no método clássico-aristotélico, através do prazer proporcionado quando a mente concorda e repousa ao encontrar o “em-si” do que fora buscado. Assim, a verdade não se abriga meramente na linguagem ou no discurso sobre o objeto, pois algo não é, só por ser afirmado como tal, mas se afirma como verdade que é na coisa mesma. Neste sentido, o papa João Paulo II, conclama aos filósofos e cientistas a retomarem tal tarefa, pois a mesma vem sendo esquecida e assim a busca da verdade tem sida negligenciada na modernidade: “Variados são os recursos que o homem possui para progredir no conhecimento da verdade, tornando assim cada vez mais humana a sua existência. De entre eles sobressai a filosofia, cujo contributo específico é colocar a questão do sentido da vida e esboçar a resposta: constitui, pois, uma das tarefas mais nobres da humanidade.”

No fundo, os filósofos e pesquisadores têm deixado esta função primordial de questionar a origem do mundo e do homem por não mais acreditarem na possibilidade de uma verdade universal. Tem-se preferido, segundo o modelo moderno, buscar fragmentos de verdades (que se encontrados, de fato são verdadeiros e válidos), mas de forma obtusa e, portanto, plural e arbitrária.

Com o abandono da metafísica e da teologia, o critério de verdade cristalizou-se naquilo que a maioria dos positivistas classificou como absoluto. O método científico universalmente aceito como paradigma, se imposta como único e irrefutável meio de se chegar à verdade. Vivemos uma verdadeira “ditadura do conjuntural convertido em absoluto.” Na verdade cada objeto deve ser pesquisado de acordo com sua natureza. O método cartesiano vai bem para avaliar o empírico, coisas concretas, no entanto, não é o melhor para a busca da essência dos entes, ou seja, para a busca metafísica e teológica da verdade. Portanto, a filosofia, com sua pioneira potência na busca das causas primeiras, não pode estar presa à metodologias pré-estabelecidas, por simplesmente serem legitimadas por campos dominantes do saber. Tal insistência destrói a essência e tarefa tão próprias da filosofia. Ela deve gozar de liberdade. Tem de continuar (ou mesmo retomar) no seu caminho de ir além da linguagem que gira em si mesma, quase que falaciosamente, sobre a qual se sustenta a idade moderna.

A teologia, como em um círculo, atrelada à filosofia, tem a tarefa de contribuir na árdua empreitada na questão da verdade. Isto porque ambas se mantêm fiéis à sua finalidade e intenção: a de conhecer o que é o Bom, o Belo e o Verdadeiro. As duas ainda procuram responder àquelas questões basilares da humanidade, às quais angustiam e interpelam desde sempre a toda a humanidade: a verdade sobre o mundo, sobre o início e fim do homem, sobre Deus e a possibilidade de uma vida além-mundo. Certamente tais questionamentos podem ser respondidos, ainda que parcialmente, pelo esforço da razão humana. A Igreja assim ensina, de forma explícita desde o Concílio Vaticano I, com a Constituição dogmática “Dei Filius”, e reafirma tal compreensão no Concílio do Vaticano II, com a Constituição dogmática “Dei Verbum”: “A Santa Igreja, nossa Mãe, atesta e ensina que Deus, princípio e fim de todas as coisas, pode ser conhecido, com certeza, pela luz natural da razão humana, a partir das coisas criadas.”

Cabe-nos agora nos perguntar o que a teologia e, portanto a fé cristã católica entende por verdade, uma vez que a Igreja afirma como critério de fé, ser ela mesma portadora e sustentáculo da verdade revelada. Como ela recebeu tal verdade? Qual a natureza de tal verdade? Como entender o discurso religioso salvífico em meio ao pluralismo e absolutismo categórico modernos?