A Igreja encontra a vocação e razão de existir no
testemunhar e anunciar a Jesus a todos os povos. Toda e cada Igreja tem
ineludível vocação missionária.
Chegou para Igreja da América Latina, até então objeto de missão, a
hora de inverter o movimento e assumir a vocação missionária. Alguns
dados estatísticos reforçam esse apelo. Quase metade dos católicos do
mundo concentram-se no nosso Continente e ele contribui com só 1,5% do
pessoal missionário. Os católicos perfazem atualmente no mundo o índice
de 18%. 2/3 não são cristãos. Se olharmos para a Ásia, que agrupa mais
da metade da população mundial, mas com somente 2,5% de católicos, a
situação se mostra ainda mais interpelante.
A responsabilidade missionária da América Latina vem tanto por
exigência da própria vocação eclesial quanto por imposição dos fatos que
nos fazem, na expressão de João Paulo II, "o Continente da esperança
missionária".
A nossa história de colonização fez-se à custa da escravidão dos
africanos. Como dizia Vieira, “não há Brasil, sem Angola”. Temos,
portanto, especial responsabilidade em relação à África. A América
Latina sente-se devedora e culpada em relação ao Continente negro pelos
milhões de filhos seus trazidos como escravos. Agora quer devolver em fé
e libertação, o que roubara em escravidão. Tal fator histórico e ético
sobreleva ao simples fato estatístico.
Nesse espírito, aceitei ir passar quase um mês em Moçambique na
consciência de que restituía pequena migalha do que recebemos daquele
Continente. Pude ver coisas lindas. O país estava a sair de quase 30
anos de guerra e sofrimentos. Os missionários permaneceram, com enorme
heroísmo, firmes em seus lugares no meio a todos os perigos da guerra.
Vi também um povo que vive da esperança. Apesar de tanto sofrimento,
senti, especialmente no Norte, as pessoas muito acolhedoras. Quando nós
as saudávamos pelas estradas ou ruas, abriam-nos amplo sorriso de
acolhida. Encontram ainda energias para festejar, bailar, cantar.
Os desafios missionários revelam-se grandes, desde a doença da
malária, que continua atingindo maciçamente os habitantes, e a extrema
pobreza até o encontro com tradições culturais e línguas muito
diferentes. A língua portuguesa funciona no mundo do asfalto e letrado.
Mas o povo fala línguas regionais. Sem conhecê-las o missionário fica
muito limitado. E o fato de aprender a língua significa para o
moçambicano que o missionário não vem nem está lá com outros interesses
que os do evangelho. O dominador não aprende a língua do dominado.
Em Moçambique abre-se para a Igreja do Brasil amplo campo
missionário. Mas não pensemos que vamos somente dar, ensinar, ajudar.
Certamente nos enriqueceremos com este contacto. Temos muito que
aprender desse povo. Descobriremos intensa vida na Igreja moçambicana,
sobejo heroísmo em seus fiéis, ardente zelo, vitalidade nas comunidades,
liturgias lindas e longas, sem a sofreguidão de tempo, generosa entrega
por parte dos missionários, real santidade escondida e que nunca será
proclamada nos altares, mas não menos verdadeira e autêntica.
Por sua vez, o cristianismo tem maravilhosa tarefa de proclamar a
libertação a este povo sofrido, oprimido e agora submetido às políticas
escorchantes do FMI e do Banco Mundial. Além disso, pelo que ouvi, nas
religiões tradicionais impera terrível medo dos espíritos, das
exigências pesadas dos feiticeiros e existem elementos necessitantes da
presença libertadora de Cristo. Onde estejamos, participemos na oração,
na ajuda material e espiritual, no compromisso, vivendo a vocação
batismal missionária.
___________________________________________________________________________________João Batista Libânio é teólogo jesuíta. Licenciado em Teologia em Frankfurt (Alemanha) e doutorado pela Universidade Gregoriana (Roma). É professor da FAJE (Faculdades Jesuítas), em Belo Horizonte. Publicou mais de noventa livros entre os de autoria própria (36) e em colaboração (56), e centenas de artigos em revistas nacionais e estrangeiras. Internacionalmente reconhecido como um dos teólogos da Libertação.
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