segunda-feira, 17 de outubro de 2011

A vocação missionária da Igreja

A Igreja encontra a vocação e razão de existir no testemunhar e anunciar a Jesus a todos os povos. Toda e cada Igreja tem ineludível vocação missionária.
Chegou para Igreja da América Latina, até então objeto de missão, a hora de inverter o movimento e assumir a vocação missionária. Alguns dados estatísticos reforçam esse apelo. Quase metade dos católicos do mundo concentram-se no nosso Continente e ele contribui com só 1,5% do pessoal missionário. Os católicos perfazem atualmente no mundo o índice de 18%. 2/3 não são cristãos. Se olharmos para a Ásia, que agrupa mais da metade da população mundial, mas com somente 2,5% de católicos, a situação se mostra ainda mais interpelante.
A responsabilidade missionária da América Latina vem tanto por exigência da própria vocação eclesial quanto por imposição dos fatos que nos fazem, na expressão de João Paulo II, "o Continente da esperança missionária".
A nossa história de colonização fez-se à custa da escravidão dos africanos. Como dizia Vieira, “não há Brasil, sem Angola”. Temos, portanto, especial responsabilidade em relação à África. A América Latina sente-se devedora e culpada em relação ao Continente negro pelos milhões de filhos seus trazidos como escravos. Agora quer devolver em fé e libertação, o que roubara em escravidão. Tal fator histórico e ético sobreleva ao simples fato estatístico.
Nesse espírito, aceitei ir passar quase um mês em Moçambique na consciência de que restituía pequena migalha do que recebemos daquele Continente. Pude ver coisas lindas. O país estava a sair de quase 30 anos de guerra e sofrimentos. Os missionários permaneceram, com enorme heroísmo, firmes em seus lugares no meio a todos os perigos da guerra. Vi também um povo que vive da esperança. Apesar de tanto sofrimento, senti, especialmente no Norte, as pessoas muito acolhedoras. Quando nós as saudávamos pelas estradas ou ruas, abriam-nos amplo sorriso de acolhida. Encontram ainda energias para festejar, bailar, cantar.
Os desafios missionários revelam-se grandes, desde a doença da malária, que continua atingindo maciçamente os habitantes, e a extrema pobreza até o encontro com tradições culturais e línguas muito diferentes. A língua portuguesa funciona no mundo do asfalto e letrado. Mas o povo fala línguas regionais. Sem conhecê-las o missionário fica muito limitado. E o fato de aprender a língua significa para o moçambicano que o missionário não vem nem está lá com outros interesses que os do evangelho. O dominador não aprende a língua do dominado.
Em Moçambique abre-se para a Igreja do Brasil amplo campo missionário. Mas não pensemos que vamos somente dar, ensinar, ajudar. Certamente nos enriqueceremos com este contacto. Temos muito que aprender desse povo. Descobriremos intensa vida na Igreja moçambicana, sobejo heroísmo em seus fiéis, ardente zelo, vitalidade nas comunidades, liturgias lindas e longas, sem a sofreguidão de tempo, generosa entrega por parte dos missionários, real santidade escondida e que nunca será proclamada nos altares, mas não menos verdadeira e autêntica.
Por sua vez, o cristianismo tem maravilhosa tarefa de proclamar a libertação a este povo sofrido, oprimido e agora submetido às políticas escorchantes do FMI e do Banco Mundial. Além disso, pelo que ouvi, nas religiões tradicionais impera terrível medo dos espíritos, das exigências pesadas dos feiticeiros e existem elementos necessitantes da presença libertadora de Cristo. Onde estejamos, participemos na oração, na ajuda material e espiritual, no compromisso, vivendo a vocação batismal missionária. 
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João Batista Libânio é teólogo jesuíta. Licenciado em Teologia em Frankfurt (Alemanha) e doutorado pela Universidade Gregoriana (Roma). É professor da FAJE (Faculdades Jesuítas), em Belo Horizonte. Publicou mais de noventa livros entre os de autoria própria (36) e em colaboração (56), e centenas de artigos em revistas nacionais e estrangeiras. Internacionalmente reconhecido como um dos teólogos da Libertação.

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