terça-feira, 20 de setembro de 2011

A mais sublime prece, aceitemos o convite de Jesus

 

A mais sublime prece
 






Diz um conto popular que certa vez Deus convidou um rabino para conhecer o céu e o inferno. Ao abrirem a porta do inferno, viram uma sala em cujo centro havia um caldeirão onde se cozinhava uma suculenta sopa. Em volta dela, estavam sentadas pessoas famintas e desesperadas. Cada uma dessas pessoas segurava uma colher de cabo tão comprido que lhes permitia alcançar o caldeirão, mas não suas próprias bocas. O sofrimento era imenso.

Em seguida, Deus levou o rabino para conhecer o céu. Entraram em uma sala idêntica à primeira, havia o mesmo caldeirão, as pessoas em volta, as colheres de cabo comprido. A diferença é que todos estavam saciados.

- Eu não compreendo, disse o rabino, por que estas pessoas estão felizes, enquanto na outra sala morrem de aflição, se é tudo igual?

Deus sorriu e respondeu:
- Você não percebeu? É porque aqui eles aprenderam a dar comida uns aos outros.
 
*  *  *


Jesus fica contente quando fazemos nossas orações diante do sacrário, contanto que essas preces tenham por objetivo nos preparar para realizarmos o que Ele espera que realizemos no dia-a-dia: amarmo-nos uns aos outros. Aos olhos de Deus, de nada adianta passarmos boa parte do tempo rezando na capela do Santíssimo e sairmos da igreja comportando-nos de maneira contrária aos ensinamentos cristãos.
 
“De que aproveita, irmãos, que alguém diga que tem fé, se não tiver obras de fé? Acaso essa fé poderá salvá-lo? Se um irmão ou uma irmã estiverem nus e precisarem de alimento quotidiano, e um de vós lhes disser: ‘Ide em paz, tratai de vos aquecer e de matar a fome’, mas não lhes dais o que é necessário ao corpo, de que lhe aproveitará? Assim também é a fé: se ela não tiver obras, está completamente morta. Mais ainda: poderá alguém alegar sensatamente: ‘Tu tens a fé, e eu tenho as obras; mostra-me então a tua fé sem obras, que eu, pelas minhas obras, te mostrarei a minha fé’. (…) Assim como o corpo sem alma está morto, assim também a fé sem obras está morta” (Tg 2, 14-17.26).
 
Deus criou o mundo por amor e não para que as criaturas passassem necessidades. De acordo com os planos de Deus, todos os seres vivos foram criados para viver em harmonia e paz, reunidos cada qual de acordo com suas espécies, a fim de que um semelhante ajude o outro na manutenção da obra da criação. Por isso vivemos em família, comunidade, sociedade. A intenção de Deus sempre foi e será a solidariedade entre as criaturas, a fim de que ninguém passe por dificuldades. É inútil ao ser humano desejar viver isolado de seus semelhantes, porque isto seria contrário à sua própria natureza.
 
A partir do momento em que o homem quebrou a harmonia inicial, os sofrimentos tornaram-se uma constante na vida humana. Mas Deus não desistiu de seu sonho. Enviou-nos Jesus Cristo para restaurar no mundo o que havia sido quebrado. E Jesus, então, começou a ensinar as pessoas a voltarem a se amar umas às outras, isto é, deixarem de lado as diferenças pessoais de cada uma, e ajudarem-se mutuamente para que seja instaurado o reino de paz e harmonia que será sempre o desejo de Deus para seus filhos.
 
Por mais que a cultura atual nos estimule à prática do individualismo e egoísmo, dificilmente viveremos bem e felizes, isolando-nos e ignorando sofrimentos alheios. Passamos a vida toda reunidos em diferentes grupos porque esta é a vontade de Deus. Estamos aqui porque precisamos amar uns aos outros, como Jesus nos amou. Esta é a condição para a felicidade que todo mundo busca. Sem amor é impossível a conquista de tal felicidade.
 
Em todos os tempos, o ser humano em seus sofrimentos clamou ao Criador. Principalmente nos dias de hoje, apesar de não sermos habituados a louvar e agradecer a Deus por tantas graças recebidas e que sequer percebemos que recebemos, temos grande necessidade de nos aproximar d'Ele para reclamar, implorar, suplicar, pedir socorro em meio às dificuldades. Há coisas que Deus nos concede mesmo sem pedirmos, e há coisas que o Pai nos concede somente quando recorremos a Ele. Ele quer que dependamos d'Ele para que evitemos cair na ilusão de recorrer a outros deuses que não promovem vida, tais como a busca desenfreada por dinheiro e lucro, os prazeres da sensualidade, as drogas e muitos outros deuses que, quando idolatrados, estimulam culturas contrárias ao reino de amor e paz para o qual fomos criados.
 
Quando recorremos ao nosso Deus em busca de determinada graça, Ele atende nossos pedidos de acordo com a fé que temos. Daí precisarmos ajudar uns aos outros para sermos ajudados. Se não ajudamos, não temos fé. Logo, orações sem fé não têm utilidade nenhuma, não servem para nada. Talvez seja por esta razão que tantos rezam tanto e não são atendidos. Qualquer prece feita sem fé pode ser comparada à folha seca que é jogada ao vento. Somente folhas verdes têm vida. Ter fé implica vida, movimento, ação. Libertemo-nos da ilusão de que pedir com fé significa ficar esperando cair do céu o que pedimos. Deus criou o ser humano para colaborar com Ele em sua obra. Ninguém colabora ficando parado ou de braços cruzados, esperando milagres acontecerem.
 
Não são raras as vezes em que ficamos mergulhados em nossos sofrimentos, focados exclusivamente nas dificuldades que estamos enfrentando e, por mais que rezemos, parece que não conseguimos vislumbrar solução nenhuma para o que nos aflige. Porém, basta que deixemos de lado as preocupações conosco mesmos e nos dediquemos a auxiliar alguém, e quando menos esperamos percebemos que nosso problema foi solucionado. Coincidência? Se ajudamos o próximo com a intenção de fazer bonito aos olhos de Deus só para alcançarmos uma determinada graça, pode ter sido coincidência, sim. Mas se nossa ajuda foi desprovida de qualquer interesse diferente do de realmente ser solidário com quem sofre, não foi coincidência, mas provavelmente solidariedade.
 
Jesus veio ao mundo justamente para nos ensinar isto: a prática da solidariedade uns para com os outros, a começar para com Deus. Devemos em primeiro lugar amar a Deus sobre todas as coisas, isto é, fazer a sua vontade, viver de acordo com seus ensinamentos; e em segundo lugar amar ao próximo como amamos a nós mesmos. Quando a pessoa gosta de si mesma procura fazer tudo o que é correto, digno e agradável aos olhos de Deus e sabe perfeitamente que não deve fazer ao próximo o que não gostaria que lhe fizessem. O "Amai-vos uns aos outros" se traduz em solidariedade e respeito de uns para com os outros.
 
A solidariedade, portanto, é a chave que nos remete à paz e felicidade nesta vida e também na vida futura. Neste ambiente capitalista em que vivemos hoje, no qual se valoriza apenas o lucro e o "levar vantagem em tudo",  são muitos os que pensam e agem como se fossem viver para sempre neste mundo. Não, a nossa verdadeira pátria é outra, e para lá levaremos apenas bens espirituais. Deste mundo não levaremos nada de material. Ficará tudo aqui: dinheiro, títulos, herança, poderes políticos, poderes culturais e outros poderes do mundo de agora.
 
Deus, porém, não tem nada contra os bens deste mundo. Os bens espirituais que levamos para a outra vida são justamente o resultado da utilização boa ou má dos bens que possuímos agora. Se utilizamos bem esses bens terrenos, teremos bagagem para levar para a eternidade. Se utilizamos mal, chegaremos lá de mãos vazias. É por isso que "a quem tem será dado ainda mais, e terá em abundância; mas a quem não tem até o que tem lhe será tirado" (Mt 13,12). Ou seja, tratemos de multiplicar nossos bens terrenos em bens espirituais. Como fazer isto? Utilizando bem os bens.
 
Deus se compraz quando multiplicamos nossos bens atuais, sejam eles quais forem, e os transformamos em bens espirituais. Todos nós de alguma maneira possuímos certos bens: são os dons e talentos que o Pai nos concedeu e que têm a finalidade de tornar melhor a nossa própria vida terrena e também a do semelhante que porventura vier a precisar de nós. Se não podemos ajudar alguém de um jeito, provavelmente podemos de outro. Não existe ninguém totalmente desprovido de possibilidades para ajudar seu próximo. Engana-se quem pensa que caridade é feita somente por quem tem dinheiro sobrando.
 
Assim, para que tenhamos o que levar para a eternidade, e também para que nossa vida terrena seja beneficiada, seja qual for o bem ou "poder" de que dispomos atualmente, utilizemo-lo em nosso próprio benefício e também em benefício do irmão ou irmã que precisa de nós. Deus conta com nossa colaboração para instaurar na terra o reino de paz cuja harmonia foi um dia quebrada. É assim que colaboramos com o Criador, cada qual com o "poder" que possui. Foi para isto que nos foram concedidos dons, talentos e mesmo bens materiais.
 
Muitas são as situações em que podemos colaborar com o Criador em seu plano de amor. Podemos amparar os que sofrem, socorrer os necessitados, dar de comer a quem tem fome, agasalhar os desnudos, ajudar a velhice para que não sofra o abandono social e familiar que assistimos quase todo dia, amparar a criança para que ela não fique mendigando na rua e cresça aprendendo a amar a sociedade, ter respeito para com as pessoas à nossa volta, e muitas outras ações em prol de quem necessita. Enfim, são muitas as formas de praticarmos o "Amai-vos uns aos outros".
 
No entanto, não imitemos os antigos hipócritas das sinagogas e ruas (cf.Mt 6,2) ou, interpretando erroneamente o popular "fazer o bem sem olhar a quem", sairmos distribuindo esmolas sem sequer olhar o rosto da pessoa a quem estamos auxiliando. Isto não teria nada do "Amai-vos uns aos outros". Seria apenas uma formalidade mecânica de cumprir o mandamento do amor, sem se dar conta de que a verdadeira solidariedade vem sempre acompanhada de atenção, dignidade e respeito. E para isto, temos que "olhar", sim, para quem estamos fazendo o bem, a fim de evitarmos humilhar ainda mais quem se encontra na incômoda e difícil condição de pedinte ou necessitado.
 
Assim, quando oferecermos ao irmão ou irmã carente o pão e o agasalho ou qualquer outro auxílio, ofereçamos também amor verdadeiro, isto é, atenção, dignidade, respeito. Assim como esperamos e gostamos de ser respeitados em nossas necessidades (inclusive por Deus), mostremos à pessoa que necessita de nós o quanto ela é respeitada. Esta é a maior prece que deve acompanhar qualquer pedido pessoal que dirigirmos a Deus em nossas orações, pois torna-nos merecedores da atenção, respeito e ajuda por parte do Pai.

Jesus sabe que o "Amai-vos uns aos outros" não é nada fácil e muitas vezes exaure nossas forças, tira-nos a paciência, nos faz desanimar. As pessoas são diferentes umas das outras e parece que temos sempre a pretensão de que todos pensem e sejam como nós. No entanto, não podemos exigir que nenhum parente, amigo ou qualquer outra pessoa seja do jeito que queremos ou gostaríamos que fosse. Quando nos alimentamos com o Pão da Palavra, Jesus nos ensina a entender as pessoas em suas limitações, lembrando-nos sempre de que todos nós somos limitados. Na Eucaristia Ele nos dá a si mesmo em alimento que nos fortalece, anima e impele a seguir em frente superando obstáculos que nos impedem de vivermos todos como irmãos, como é da vontade do Pai.
 
Portanto, se queremos ser ajudados por Deus (e todos sabemos que precisamos muito da ajuda divina), ajudemos uns aos outros. Se dizemos que amamos a Jesus, demonstremos este amor por meio da caridade. Jesus faz milagres, sim, mas através das mãos de seus colaboradores que somos nós, que cultivamos de fato uma fé viva, e não a fé semelhante à folha seca que não serve para mais nada. É nisto que consiste o “Amai-vos uns aos outros como eu vos amei” (Jo 15,12) e também o “Buscai em primeiro lugar as coisas do céu e as da terra lhe serão dadas por acréscimo” (Mt 6,31.33). Aceitemos o convite de Jesus. Caminhemos confiantes ao lado de Nosso Senhor. Adoremos a nosso Deus.

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