Diz um conto popular
que certa vez Deus convidou um rabino para conhecer o
céu e o inferno. Ao abrirem a porta do inferno, viram
uma sala em cujo centro havia um caldeirão onde se
cozinhava uma suculenta sopa. Em volta dela, estavam
sentadas pessoas famintas e desesperadas. Cada uma
dessas pessoas segurava uma colher de cabo tão
comprido que lhes permitia alcançar o caldeirão, mas
não suas próprias bocas. O sofrimento era imenso.
Em seguida, Deus levou o rabino para
conhecer o céu. Entraram em uma sala idêntica à
primeira, havia o mesmo caldeirão, as pessoas em
volta, as colheres de cabo comprido. A diferença é que
todos estavam saciados.
- Eu não compreendo, disse o rabino, por que estas
pessoas estão felizes, enquanto na outra sala morrem
de aflição, se é tudo igual?
Deus sorriu e respondeu:
- Você não percebeu? É porque aqui eles aprenderam a
dar comida uns aos outros.
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Jesus fica contente
quando fazemos nossas orações diante do sacrário,
contanto que essas preces tenham por objetivo nos
preparar para realizarmos o que Ele espera que
realizemos no dia-a-dia: amarmo-nos uns aos outros.
Aos olhos de Deus, de nada adianta passarmos boa parte
do tempo
rezando na capela do Santíssimo e sairmos da igreja
comportando-nos de maneira contrária aos ensinamentos
cristãos.
“De que aproveita,
irmãos, que alguém diga que tem fé, se não tiver obras
de fé? Acaso essa fé poderá salvá-lo? Se um irmão ou
uma irmã estiverem nus e precisarem de alimento
quotidiano, e um de vós lhes disser: ‘Ide em paz,
tratai de vos aquecer e de matar a fome’, mas não lhes
dais o que é necessário ao corpo, de que lhe
aproveitará? Assim também é a fé: se ela não tiver
obras, está completamente morta. Mais ainda: poderá
alguém alegar sensatamente: ‘Tu tens a fé, e eu tenho
as obras; mostra-me então a tua fé sem obras, que eu,
pelas minhas obras, te mostrarei a minha fé’. (…)
Assim como o corpo sem alma está morto, assim também a
fé sem obras está morta” (Tg 2, 14-17.26).
Deus criou o mundo por
amor e não para que as criaturas passassem
necessidades. De acordo com os planos de Deus, todos
os seres vivos foram criados para viver em harmonia e
paz,
reunidos cada qual de acordo com suas espécies, a fim de que um
semelhante ajude o outro na manutenção da obra da criação. Por isso
vivemos em família, comunidade, sociedade. A intenção
de Deus sempre foi e será a solidariedade entre as
criaturas, a fim de que ninguém passe por
dificuldades. É inútil ao ser humano desejar
viver isolado de seus semelhantes, porque isto seria
contrário à sua própria natureza.
A partir do momento em
que o homem quebrou a harmonia inicial, os sofrimentos
tornaram-se uma constante na vida humana. Mas Deus não
desistiu de seu sonho. Enviou-nos Jesus Cristo para
restaurar no mundo o que havia sido quebrado. E Jesus,
então, começou a ensinar as pessoas a voltarem a se
amar umas às outras, isto é, deixarem de lado as
diferenças pessoais de cada uma, e ajudarem-se
mutuamente para que seja instaurado o reino de paz e
harmonia que será sempre o desejo de Deus para seus
filhos.
Por mais que a cultura
atual nos estimule à prática do individualismo e
egoísmo, dificilmente viveremos bem e felizes,
isolando-nos e ignorando sofrimentos alheios. Passamos
a vida toda reunidos em diferentes grupos porque esta
é a vontade de Deus. Estamos aqui porque precisamos
amar uns aos outros, como Jesus nos amou. Esta é a
condição para a felicidade que todo mundo busca. Sem
amor é impossível a conquista de tal felicidade.
Em todos os tempos, o
ser humano em
seus sofrimentos clamou ao Criador.
Principalmente nos dias de hoje, apesar de não sermos habituados a
louvar e
agradecer a Deus por tantas graças recebidas e que
sequer percebemos que recebemos, temos grande necessidade de nos
aproximar d'Ele para reclamar, implorar, suplicar, pedir
socorro em meio às dificuldades. Há coisas que Deus
nos concede mesmo sem pedirmos, e há coisas que o Pai
nos concede somente quando recorremos a Ele. Ele quer
que dependamos d'Ele para que evitemos cair na ilusão
de recorrer a outros deuses que não promovem vida,
tais como a busca desenfreada por dinheiro e lucro, os
prazeres da
sensualidade, as drogas e muitos outros deuses que,
quando idolatrados, estimulam culturas contrárias ao
reino de amor e paz para o qual fomos criados.
Quando recorremos ao
nosso Deus em busca de determinada graça, Ele atende
nossos pedidos de acordo com a fé que temos. Daí
precisarmos ajudar uns aos outros para sermos
ajudados. Se não ajudamos, não temos fé. Logo, orações
sem fé não têm utilidade nenhuma, não servem para
nada. Talvez seja por esta razão que tantos rezam tanto e não são
atendidos. Qualquer prece feita sem fé pode ser
comparada à folha seca que é jogada ao vento. Somente
folhas verdes têm vida. Ter fé implica vida,
movimento, ação. Libertemo-nos da ilusão de que pedir
com fé significa ficar esperando cair do céu o que
pedimos. Deus criou o ser humano para colaborar com
Ele em sua obra. Ninguém colabora ficando parado ou de
braços cruzados, esperando milagres acontecerem.
Não são raras as vezes
em que ficamos mergulhados em nossos sofrimentos, focados
exclusivamente nas dificuldades que estamos
enfrentando e, por mais que rezemos,
parece que não conseguimos vislumbrar solução nenhuma
para o que nos aflige. Porém,
basta que deixemos de lado as preocupações conosco
mesmos e nos dediquemos a auxiliar alguém, e quando
menos esperamos percebemos que nosso problema foi
solucionado. Coincidência? Se ajudamos o próximo com a
intenção de fazer bonito aos olhos de Deus só para
alcançarmos uma determinada graça, pode ter sido coincidência,
sim. Mas se nossa ajuda foi desprovida de qualquer
interesse diferente do de realmente ser solidário com
quem sofre, não foi coincidência, mas provavelmente
solidariedade.
Jesus veio ao mundo
justamente para nos ensinar isto: a prática da
solidariedade uns para com os outros, a começar para
com Deus. Devemos em
primeiro lugar amar a Deus sobre todas as coisas, isto
é, fazer a sua vontade, viver de acordo com seus
ensinamentos; e em segundo lugar amar ao próximo como
amamos a nós mesmos. Quando a pessoa gosta de si
mesma procura fazer tudo o que é correto, digno e agradável aos olhos de
Deus e sabe perfeitamente que não deve fazer ao
próximo o que não gostaria que lhe fizessem. O
"Amai-vos uns aos outros" se traduz em solidariedade e
respeito de uns para com os outros.
A solidariedade,
portanto, é a chave que nos remete à paz e felicidade
nesta vida e também na vida futura. Neste ambiente
capitalista em que vivemos hoje, no qual se valoriza
apenas o lucro e o "levar vantagem em tudo", são
muitos os que pensam e agem como se fossem viver
para sempre neste mundo. Não, a nossa verdadeira
pátria é outra, e para lá levaremos apenas bens
espirituais. Deste mundo não levaremos nada de
material. Ficará tudo aqui: dinheiro, títulos,
herança, poderes políticos, poderes culturais e outros
poderes do mundo de agora.
Deus, porém, não tem
nada contra os bens deste mundo. Os bens espirituais
que levamos para a outra vida são justamente o
resultado da utilização boa ou má dos bens que
possuímos agora. Se utilizamos bem esses bens
terrenos, teremos bagagem para levar para a
eternidade. Se utilizamos mal, chegaremos lá de mãos
vazias. É por isso que "a quem tem será dado ainda
mais, e terá em abundância; mas a quem não tem até o
que tem lhe será tirado" (Mt 13,12). Ou seja,
tratemos de multiplicar nossos bens terrenos em bens
espirituais. Como fazer isto? Utilizando bem os bens.
Deus se compraz quando multiplicamos nossos bens atuais,
sejam eles quais forem, e os transformamos em bens espirituais. Todos nós de alguma
maneira possuímos certos bens: são os dons e
talentos que o Pai nos concedeu e que têm a finalidade
de tornar melhor a nossa própria vida terrena e também a do semelhante
que porventura vier a precisar de nós. Se não
podemos ajudar alguém de um jeito, provavelmente
podemos de outro. Não existe ninguém totalmente
desprovido de possibilidades para ajudar seu
próximo. Engana-se quem pensa que caridade é feita
somente por quem tem dinheiro sobrando.
Assim, para que
tenhamos o que levar para a eternidade, e também para
que nossa vida terrena seja beneficiada, seja qual for
o bem ou "poder" de que dispomos atualmente,
utilizemo-lo em nosso próprio benefício e também em benefício do irmão ou irmã que precisa
de nós. Deus conta com nossa colaboração para
instaurar na terra o reino de paz cuja harmonia
foi um dia quebrada. É assim
que colaboramos com o Criador, cada qual com o "poder" que possui. Foi para isto que
nos foram concedidos dons, talentos e mesmo bens materiais.
Muitas são as situações
em que podemos colaborar com o Criador em seu plano de
amor. Podemos amparar os que sofrem, socorrer os
necessitados, dar de comer a quem tem fome, agasalhar
os desnudos, ajudar a velhice para que não sofra o
abandono social e familiar que assistimos quase todo
dia, amparar a criança para que ela não fique
mendigando na rua e cresça aprendendo a amar a
sociedade, ter respeito para com as pessoas à nossa
volta, e muitas outras ações em prol de quem
necessita. Enfim, são muitas as formas de praticarmos
o "Amai-vos uns aos outros".
No entanto, não
imitemos os antigos hipócritas das sinagogas e ruas (cf.Mt 6,2)
ou, interpretando erroneamente o popular "fazer o bem
sem olhar a quem", sairmos distribuindo esmolas sem
sequer olhar o rosto da pessoa a quem estamos
auxiliando. Isto não teria nada do "Amai-vos uns aos
outros". Seria apenas uma formalidade mecânica de
cumprir o mandamento do amor, sem se dar conta de que
a verdadeira solidariedade vem sempre acompanhada de
atenção, dignidade e respeito. E para isto, temos que
"olhar", sim, para quem estamos fazendo o bem, a fim
de evitarmos humilhar ainda mais quem se encontra na
incômoda e difícil condição de pedinte ou necessitado.
Assim, quando
oferecermos ao irmão ou irmã carente o pão e o
agasalho ou qualquer outro auxílio, ofereçamos também
amor verdadeiro, isto é, atenção, dignidade, respeito. Assim como esperamos e gostamos de
ser respeitados em nossas necessidades (inclusive por
Deus), mostremos à pessoa que necessita de nós o
quanto ela é respeitada. Esta é a maior prece que deve
acompanhar qualquer pedido pessoal que dirigirmos a
Deus em nossas orações, pois torna-nos merecedores da
atenção, respeito e ajuda por parte do Pai.
Jesus sabe que o
"Amai-vos uns aos outros" não é nada fácil e muitas
vezes exaure nossas forças, tira-nos a paciência, nos
faz desanimar. As pessoas são diferentes umas das outras e
parece que temos sempre a pretensão de que
todos pensem e sejam como nós.
No
entanto, não podemos exigir que nenhum parente, amigo
ou qualquer outra pessoa seja do jeito que queremos ou
gostaríamos que fosse. Quando nos alimentamos com o Pão da Palavra, Jesus nos
ensina a entender as pessoas em suas limitações,
lembrando-nos sempre de que todos nós somos limitados.
Na Eucaristia Ele nos dá a si mesmo em alimento que nos
fortalece, anima e impele a seguir em frente superando
obstáculos que nos impedem de vivermos todos como
irmãos, como é da vontade do Pai.
Portanto, se
queremos
ser ajudados por Deus (e todos sabemos que precisamos
muito da ajuda divina), ajudemos uns aos
outros. Se dizemos que amamos a Jesus, demonstremos
este amor por meio da caridade. Jesus faz milagres, sim, mas através das
mãos de seus colaboradores que somos nós, que
cultivamos de fato uma fé viva, e não a fé semelhante
à folha seca que não serve para mais nada. É nisto que
consiste o “Amai-vos uns aos outros como eu vos amei”
(Jo 15,12) e também o “Buscai em primeiro lugar as
coisas do céu e as da terra lhe serão dadas por
acréscimo” (Mt 6,31.33). Aceitemos o convite de Jesus.
Caminhemos confiantes ao lado de Nosso Senhor.
Adoremos a nosso Deus.